Ao falar sobre as principais ruas de São Paulo, muitos nomes vêm às nossas mentes. A avenida Paulista, a rua 25 de Março ou até mesmo as marginais Tietê e Pinheiros são parte da história da capital paulista e também verdadeiros ícones da metrópole. Além de toda a importância urbana dessas vias, elas também carregam significados históricos por trás de seus nomes.
A Toponímia, que é o estudo da origem dessas nomeações, é representada por, pelo menos, dois processos importantes. Segundo o professor da Faculdade de Arquitetura de Urbanismo da USP (FAU-USP), Renato Cymbalista, o primeiro deles é a história: “nomes de ruas como a Direita, a do Boticário ou o Pátio do Colégio recebem nomes relacionados com usos ou com a estrutura urbana relacionada a essas ruas”. O outro processo interliga-se mais com o reconhecimento social de uma região, ou seja, a própria cidade (ou o bairro) nomeia suas ruas de acordo com a importância de algumas de suas personalidades e eventos.
Hoje abarrotada de carros, comércios e muitas (mas muitas) pessoas, a Radial Leste é uma das principais vias que cortam a zona leste paulistana. Ao longo do seu trecho, dois bairros chamam a atenção pela riqueza histórica e pela tradição perpetuada pelos seus moradores. E como não poderia ser diferente, algumas das ruas do Tatuapé e da Mooca também traduzem parte do passado histórico imigrante de ambos os bairros.
Em uma das esquinas da cidade de São Paulo, um pequeno estabelecimento bege assiste à constante movimentação de carros e motos. É o cruzamento entre as ruas Francisco Marengo e Emília Marengo, duas das principais vias do Tatuapé. Juntas, as duas vias totalizam uma distância de 3,5 km. Mas a grandeza do número não é ao acaso: as figuras que emprestam seu nome para ambas as ruas são duas personalidades que auxiliam a entender um pouco da história de um dos maiores bairros da zona leste paulistana.
O bairro que hoje é repleto de bares e restaurantes, era uma grande chácara no final do século XIX, que, atualmente, é delimitada pelas ruas Serra de Bragança, Cantagalo, Monte Serrat e a própria Francisco Marengo. Lá, a família italiana Marengo desenvolveu o cultivo de uvas e a produção de vinho. No século XVI a atividade já acontecia, mas foi com os Marengo que o Tatuapé se tornou conhecido por essa atividade.
E muitos moradores de lá fazem questão de contar isso quando são perguntados sobre quem era Francisco ou Emília Marengo. José Carlos Ferreira, morador do Tatuapé desde 1954, é um deles. Ele conta que quando se mudou para lá, a fazenda dos Marengo ainda existia - e era muito conhecida. Episódios como esse mostram como a nomeação de ruas pode ser, além de um fato curioso, um forte elemento de perpetuação da memória histórica de uma região.
A poucos quilômetros do Tatuapé, outro bairro desperta o sentimento tradicionalista em muitos paulistanos. A Mooca, um dos redutos de imigração italiana em São Paulo, também traz um pedaço de sua história no nome de suas ruas e ícones. Na Rua Javari, o estádio do Juventus, um dos clubes mais tradicionais da capital, empresta o nome do Conde Rodolfo Crespi, dono de uma das principais indústrias têxteis da capital no século XX.
O casal Rodolfo e Marina Crespi foram essenciais na construção da história da Mooca, que naquela época era essencialmente de origem operária. Rodolfo, nascido na Itália em 1874, fundou o Cotonifício Rodolfo Crespi em 1897 em um enorme prédio do bairro, na esquina da rua dos Trilhos com a rua Taquari. Os operários (além de alguns patrões) de sua fábrica fundaram o Clube Atlético Juventus em 1924, com sede em um terreno cedido por Crespi, grande incentivador do time. Além do nome do estádio, é claro, o clube ainda lhe concedeu outra homenagem: o título de presidente honorário perpétuo do Juventus.
Já Marina - que dá nome a uma das ruas do bairro - além de cuidar das atividades empresariais da família Crespi, desenvolveu diversos projetos de caráter social. O mais conhecido é o incentivo à construção e manutenção da Fundação Ninho Jardim Condessa Marina Regoli Crespi, criada em 1936. A creche recebia os filhos dos operários e operárias do Cotonifício Crespi em tempo integral, e se destacava por desenvolver ações rotineiras de cuidado com a saúde e higiene pessoal.
A poucos metros do estádio da rua Javari, outra importante via da Mooca também traz um pouco de história. A Rua dos Trilhos, como o próprio nome diz, remete a um importante ramal da São Paulo Railway que passou pelo bairro durante o século XX. Nos trilhos, cargas eram enviadas durante a semana para algumas das principais indústrias da região, como a I.R.F. Matarazzo, Fiação e Tecelagem Aramina e, é claro, o Cotonifício Rodolfo Crespi. Já nos fins de semana, uma composição saía geralmente da Estação da Luz e percorria a Rua dos Trilhos rumo ao litoral paulista.
A partir dos anos 1950 as fábricas da Mooca começaram a fechar. Hoje, o prédio que abrigava o cotonifício é uma das lojas do supermercado Extra e a antiga creche da condessa Marina tenta se tornar um patrimônio tombado. Apesar disso, o nome desse casal, assim como de outras pessoas fundamentais na história da cidade, continua presente no dia-a-dia dos moradores.
Se antes você andava sem nem olhar para os nomes estampados nas placas, ta aí um ótimo motivo para começar a reparar e pesquisar sobre eles. Bairros de várias regiões da cidade guardam muitas histórias em suas ruas. O Ipiranga com seus monumentos históricos, o Bexiga, tradicional reduto de imigrantes italianos e a região da Sé e República, conhecida como Centro histórico. São apenas alguns exemplos de lugares onde uma caminhada pode se tornar uma aula de história à céu aberto. Aproveita essa chance de conhecer melhor sua cidade!